Naquela noite vazia

domingo, 9 de junho de 2013
Você me ligou naquela noite vazia e me valeu o dia

Era uma noite de novembro. Havia passado a última hora num quiosque, trabalhando em meu último conto enquanto bebia uma água de coco, olhando para o mar. Sim, é assim que me inspiro, é assim que trabalho. Mas divago.



Eu estava triste porque havia acabado de receber um esporro muito do injusto do meu ex-chefe idiota, e estava me sentindo um lixo. Era véspera de feriado e tudo o que eu conseguia pensar era: “só faltava isso para acabar com meu feriadão”. 

Mas aí você me ligou. Eram onze da noite de uma quinta-feira e eu estranhei ver a chamada perdida. em meu celular novinho, que ficara carregando em casa enquanto eu rabiscava meu conto na praia. Retornei a ligação mais por curiosidade do que por segundas intenções, para ser sincera. Não é todo dia que seu ex te liga, num feriado, sem que fosse para avisar que você havia esquecido uma bolsa em sua casa ou dizer que enfim havia terminado o livro que você havia emprestado.

Mas não, não era nada disso. Simplesmente você estava entediado e queria desfrutar da companhia de alguém com que gostava de conversar. E aí, fomos jantar. Em um restaurante que costumava ser um dos nossos favoritos nos velhos tempos, com seu ambiente intimista, seus pratos charmosos e deliciosos, sua carta de vinhos honesta e variada, e a melhor sobremesa da face da terra. E aquele jantar mudou muita coisa.

Vou confessar, eu esperava que você quisesse conversar sobre a gente, se é que você me entende. Me ajudar a achar as respostas que tanto eu procurava. Ou não, pelo menos dar um adeus. A gente não teve despedida, você lembra. Simplesmente, puf, acabou. Sem frases vazias como “eu vou sentir a sua falta” ou “ espero que você encontre alguém legal”. Você sabe, essas frases que a gente diz por dizer, sem que correspondam de fato à realidade. Mas nada disso aconteceu naquele jantar. E sim, foi um pouco frustrante, mas nem me incomodo, porque foi nesta mesma noite que você me deu um conselho que mudou minha vida.

Na época, eu estava decepcionadíssima com minha vida profissional. Odiava meu emprego e me sentia explorada em muitos aspectos. Como naquele dia estava especialmente chateada, despejei tudo em você. Falei sobre o absurdo de receber e-mail malcriado em véspera de feriado, sobre como eu detestava quando me faziam trabalhar até altas horas sem pagar hora extra e me empurrar tarefas que nada tinham a ver com a minha função. E comentei que estava pensando seriamente em me demitir, porque era melhor ficar desempregada do que ficar ouvindo gracinha e trabalhar de graça.

E foi então que você me deu o conselho que fez toda a diferença: “Não peça demissão antes de arrumar outro emprego, faça o que você foi contratada para fazer, e nada mais. Se cobrarem a mais, diga que precisa renegociar o salário, pois isso não foi acordado na entrevista. Assim, você ensina à empresa a valorizar o seu trabalho. Se te demitirem por isso, você briga na justiça e pronto, qualquer juiz vai te dar razão”. 

E foi exatamente o que fiz. E foi o que funcionou para manter minha sanidade e minha auto-estima como profissional enquanto estava trabalhando lá. Em quatro anos você nunca havia me dado um conselho tão bom quanto o que deu naquela noite, que era para ter sido vazia, mas foi consideravelmente cheia. 



E o jantar terminou bem melhor do que eu esperava.
Fabiola Paschoal
Bibliófila, feminista, redatora, geek. Entusiasta das letras e das artes, adora quebrar estereótipos e dar opinião sobre qualquer assunto.

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