Cocota Nerd Lê: Meus Desacontecimentos, de Eliane Brum

segunda-feira, 5 de maio de 2014
Nada como aquela sensação incrível de se deixar ser surpreendida por um livro. Meus Desacontecimentos, de Eliane Brum, me fisgou por completo logo nas primeiras páginas!



À primeira vista, pode-se dizer que o livro de Eliane Brum trata-se de uma autobiografia bastante peculiar e original da jornalista, mas vai bem além disso. Na verdade, Meus Desacontecimentos conta a história do amor da autora pelas palavras e pela arte de contar histórias, entremeada com passagens importantes de sua vida. E, olha, preciso dizer que é leitura obrigatória para quem tem a escrita como ofício e/ou como paixão. No meu caso, ambas as afirmações são verdadeiras, o que só me fez amar ainda mais o livro.

Apesar de narrar diversos capítulos importantes da vida de Eliane Brum, Meus Desacontecimentos não  tem uma estrutura linear. Narra diversos fatos aleatoriamente, sem seguir ordem cronológica, e que aparentemente nada têm em comum, exceto pelo fato de todos os acontecimentos, ou desacontecimentos, narrados no livro, terem contribuído de alguma forma para a pessoa que Eliane se tornou. Para ela, a sua própria vida foi sua primeira ficção.

Assim, ela conta sobre como o nome de família perdeu uma letra por acaso, e de Brun tornou-se Brum. Conta sobre pessoas queridas que marcaram sua infância. Narra sua gravidez precoce, e também sua relação com os familiares. Fala sobre perdas físicas e emocionais, sobre a vida e sobre a morte. Conta como aprendeu a ler (e suas primeiras palavras lidas foram, pasme, numa igreja. Isso sim é o que eu chamo de milagre..). E fala, principalmente, sobre como decidiu ser escritora. Ou melhor, como as palavras a escolheram como porta-voz, e como a salvaram de uma existência medíocre e banal.

Tudo isso é narrado com um lirismo que dá gosto de se ler. A escrita de Eliane consegue ser, ao mesmo tempo, rica e simples de ler. Bonita sem ser pedante. Coisa que só uma jornalista extremamente competente conseguiria fazer.

Entre muitas quotes impagáveis,destaquei algumas para não me esquecer jamais:

"Ouvi de alguns chefes que a indignação faz mal para o exercício do jornalismo, que bom jornalista não tem causa. Discordo. Indignação só não faz bem para quem tem como única causa a do patrão".

"Pela palavra escrita eu tornava-me capaz de transcender o concreto, transformar impotência em potência. Fui salva pela palavra escrita quando comecei a ler – e (talvez) em definitivo quando escrevi. E – importante – quando fui lida"

"Nesses anos todos testemunhei muita gente se alienar da própria escrita para não sofrer. É uma alternativa. Bem cara. Para mim essa escolha nunca foi nem desejo nem possibilidade. Eu era o que escrevia. Sou."

"A palavra fez a volta, mas como na fita de Moebius. Libertei as letras, e elas emergiram dos meus abismos como voragem. Voltei a escrever. Dessa vez, uma vida para mim."

Foto daqui :)

Nem sempre, ao se ler o livro, o mais importante é a história contada, mas a maneira como esta história é contada. A forma é tão ou mais importante que o conteúdo. E fazia tempo que eu não tinha nas mãos um livro tão bonito, tão bem escrito, desses que preenchem o coração e nos fazem ter vontade de marcar  com marca-texto fluorescente todas as citações relevantes. 

Recomendo com força Meus Desacontecimentos de Eliane Brum para todos aqueles que ainda têm a capacidade de se emocionar com um livro e, sobretudo, que gostam de coisas bonitas. Eu certamente irei atrás de absolutamente tudo que a autora escrever. 
Fabiola Paschoal
Bibliófila, feminista, redatora, geek. Entusiasta das letras e das artes, adora quebrar estereótipos e dar opinião sobre qualquer assunto.

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